Blogger Template by Blogcrowds

sábado, 27 de agosto de 2011

Chove chuva.

Cansada, Cecília fechou seu livro. Tomou mais gole do seu café descafeinado, deixou a xícara na mesinha e se levantou da sua poltrona. Olhou para a janela mais uma vez e viu que ainda estava chovendo, uma chuva forte e barulhenta. O dia, então, estava perfeito, para Cecília. Ela achava muito interessantes dias nublados e/ou chuvosos. O frio lhe era perfeito. Ela se agarrou mais ainda ai seu casaco de lã. Ele sentia falta dele, apesar de ter sido ela acabar com aquela amizade falsa tudo. Cecília, assim como seu clima favorito, era fria. Ela precisava, enfim, ser assim. A vida lhe obrigou. As decepções foram tantas que ela, assim como um animal, se adaptou ao habitat. Amizades acabadas, amores não correspondidos, enfim... O calor humano que ela precisava foi trocado pelo calor de um casaco agora.

O seu silêncio profundo de barulho da chuva foi cortado pelo som da campainha. Cecília estranhou. Não era de receber visitas – e quem haveria de visitá-la com tamanha chuva?

Ela foi devagar até a porta e quando abriu viu uma menina pequena e toda encolhida encostada na parede em que ficava a campainha, embaixo da varanda da casa. Ela era magérrima, um tanto suja e descabelada. Olhou para Cecília como se não esperasse por alguém.

- Oh... Desculpe-me – disse a menina, com a voz rouca. Cecília também percebeu que ela estava molhada. – Eu só estava me protegendo da chuva e me encostei-me à campainha sem querer...

Cecília só ficou olhando para a garota pela porta entreaberta. A garota parecia ter 15 anos e, com certeza, não era uma mendiga. Apesar de já estragadas com água e sujeira, as roupas eram de grife – ou quase isso, já que Cecília não entendia bem dessas coisas. Mas de uma coisa ela entendia: a garota havia fugido de casa. Ela já tinha feito isso uma vez, quando era mais nova. Sempre teve esse ar rebelde e ficou 1 mês fora de casa, andando pelas ruas sem rumo. Seus pais enlouqueceram.

Cecília abriu mais a porta e disse: - Vem, entra.

- Você mesmo colocar uma pessoa que você não conhece dentro de casa?

- Quer que eu me arrependa já?

A garota só olhou assustada para Cecília, que estava de braços cruzados e sobrancelha arqueada. Ela parecia conter um meio sorriso e entrou, sem mais questionamentos.

Quando ela entrou, ficou olhando por toda a sala pequena, vazia e escura, iluminada apenas pela Lua – que estava meio encoberta pela chuvarada.

- Belo lugar – ela falou.

- Olha, não precisamos conversar ok? Toma – Cecília lhe jogou um lençol que antes estava em sua poltrona. – Você vai precisar. Se enxuga, se enrola, sei lá. Pode sentar no sofá – e então voltou para seu livro e sua xícara de café em sua poltrona roxa de couro.

A garota se enrolou no lençol e sentou no sofá em silêncio.

Cecília tinha um namorado que morava junto com ela. Ele saiu da cozinha em direção do quarto deles, mas mudou seu rumo quando viu uma desconhecida em seu sofá.

- Oh, olá! – ele disse alternando olhares entre sua namorada e a garota – Você é a...?

- Ah, oi! Eu sou a Jane – a garota falou, levantando-se do sofá e dando a mão parar George. Como ele ficou assustado, não lhe deu a mão. Jane deu de ombros, voltou para o sofá e continuou falando como se alguém se importasse: - Se escreve com “A”, mas se pronuncia com “EI” mesmo. JEINE.

- Hm, legal – respondeu George sem muito interesse. – E de onde nós a conhecemos, Ceci?

- Nós não a conhecemos – respondeu ela sem tirar seus olhos do livro.

- É, eu só estava fugindo da chuva ai na sua varanda mais ai ela me mandou entrar e...

- Ceci... – George começou a falar mais foi interrompido pelo olhar frio de Cecília.

- Olha, já que vocês não vão me deixar ler mesmo vamos conversar – ela jogou o livro no colo, com mau humor. – Então, por que você fugiu de casa?

- O que? – Jane perguntou. – Como você sabe que eu...?

- Olha, meu cabelo não é ruivo, eu tenho esses piercings e tatuagens e moro com meu namorado por que meus pais deixaram, beleza? Eu não estou muito a fim de saber sua história, mas já que não tem jeito mesmo...

- Ok, é que eu estou grávida. – Houve um silêncio na casa, só o barulho de chuva. – O quê? Você que perguntou.

- Você é irresponsável pra caramba, guria – Cecília disse.

- Se fosse para ouvir sermão, eu acho que teria ficado em casa...- respondeu Jane, com ironia.

- Então... vamos acolher ela por hoje? – perguntou George. Jane olhou com olhar pidão para os dois, e estes se entreolharam, já sabendo o que o outro havia pensando.

- Sabe ler? – perguntaram em uníssono.

Jane se assustou: - Sei sim, por quê?

- Porque – respondeu Cecília – aqui nós não assistimos televisão, só lemos e ficamos juntos. Se você prometer ficar ai quietinha, lendo algum livro da estante ou qualquer revista inútil que eu compro às vezes, você pode ficar aqui esta noite...

- Sério?!

- É – respondeu George com um meio sorriso.

- Muuuuuuuuito obrigada – Jane se levantou e ia correr para dar um abraço em Cecília que botou uma mão entre elas.

- Segunda regra: sem abraços, ok?

- Tudo que você quiser – respondeu ela, sorrindo.

Ela se jogou no sofá e pegou uma Vogue que estava jogada perto do sofá. George deu de ombros e foi, finalmente, para o quarto.

Então, assim passaram os três a noite: juntos na mesma casa, mas somente entre eles o barulho da chuva batendo no teto.



Nenhum comentário:

Postar um comentário