- Oi, Alice!
Reconheci a voz grossa e familiar atrás de mim e senti minha pele formigar com seu toque em meu ombro.
- Oi, Bê – eu respondi. Vir-me-ei para trás, para ver seu rosto. O Benício estava suado e ainda com a roupa do seu treino de futebol. Ele era o goleiro e por isso o suor estava misturado com terra.
Ele me deu um beijinho na bochecha e eu dei um gritinho.
- Que foi menina? – Ele perguntou confuso.
Tapei o nariz de brincadeira e respondi: - Você não estava com cheirinho de lavanda.
Ele riu e veio me dar um abraço, para me provocar.
- Paraaa! – gritei, entrando na brincadeira – Vá para o vestiário e tome uma chuveirada, pelo amor de Deus! Eu juro que te espero aqui mesmo.
Ele riu e correu para o vestiário junto com os outros garotos do time da escola. Eu continuei sentada na arquibancada lendo minha revista.
O Benício era o meu melhor amigo, mas eu queria que ele fosse mais do que isso. Ele se mudara para a casa ao lado há dois anos e desde então viramos amigos. Amigos mesmo do tipo que conta tudo um para o outro. Ele me contava das garotas que ele ficava e eu fingia ficar feliz por ele. Eu também contava para ele dos meus “rolos” e ele ficava feliz por mim. Ele não parecia fingir como eu fazia. Eu o amava em segredo, porque somente ele sabia dos meus segredos e já que ele não sabia desse, logicamente, ninguém sabia também.
Depois de 10 ou 15 minutos ele voltou limpo e cheiroso. Com cheiro de lavanda. Provavelmente, o perfume que eu dei para ele de aniversário e ele usava para me agradar, já que era meu cheiro preferido.
- Pronto, agora estou apresentável! – Benício disse, rindo, quando chegou à arquibancada – Agora eu posso te abraçar direito?
Eu sorri. Nossa, eu adoro esse garoto.
Abraçamos-nos apertado, como sempre fazíamos, e então ele disse: - Sabe com quem eu encontrei hoje? Com a Júlia.
Júlia era a ex dele. Nossa, eu odeio esse garoto. A Júlia era uma vadia, mas pelo menos foi alguma coisa dele. Eu continuava a amiga-irmã...
Pigarreei.
- E então? Ela falou com você?
- Que nada! Ela estava com o Marcelo – ele pronunciou o nome do garoto com nojo. Isso me machucou por dentro. Ele ainda gosta da Júlia. – Mas não me importo mais, sabe Alice, se ela quiser ficar com o Marcelo ou com o Douglas ou com o Sérgio ou com...
-Eu já entendi! – interrompi-o, dando um sorriso amarelo – Bê, eu já entendi. Você não se importa mais com ela e que ela pode sair com quem ela quiser.
Benício colocou o braço envolta de mim, passando pelo meu ombro.
- É por isso que eu te adoro, Alice. Só você me entende – e me deu outro beijo na bochecha, me deixando vermelha. – Vamos para casa?
- Er, vamos, claro – respondi, escondendo meu rosto.
Quando chegamos a nossas casas, nos despedimos e entramos cada um na sua.
- Mãe, cheguei! – gritei quando fechei a porta. Vi-a sentada no sofá junto com meu pai. Ambos pareciam chateados. –Mãe? Pai?
Minha mãe fungou e percebi que ela estivera chorando.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntei, assustada. Deixei minha mochila em cima da mesa de jantar e sentei-me no sofá, junto com minha mãe.
Minha mãe se recompôs e respondeu: - Seu pai foi transferido para outro estado.
Meu mundo parou.
- O QUÊ?
- Desculpa querida. – Meu pai começou – Sei que gosta muito daqui, tem muitos amigos...
- Eu tenho uma vida aqui, pai – interrompi.
- Nós sabemos, Alice. Eu e seu pai também temos uma vida aqui. Nós nascemos e fomos criados aqui, mas seu pai precisa do emprego. Se eu não estivesse desempregada...
- Para, ok Lúcia? Não começa a se julgar de novo.
Minha mãe preferiu não responder.
Suspirei para fazer a pergunta.
- Quando a gente tem que ir?
- Próxima semana.
Senti meus olhos encherem de lágrimas. Levantei-me, pedi licença e fui correndo par ao meu quarto. Como eu ia contar para o Benício? Como eu ia deixar o Benício?
Após algumas horas deitada na minha cama pensando no que dizer, resolvi ir ver o Benício.
Dim-Don.
- Oi Alice!
- Oi Bê.
Ele me deu um beijo na bochecha. Eu não exatamente respondi ao abraço dele.
- Tudo bem com você? Você está séria.
- Benício...
- Opa! – ele me interrompeu. – É algo sério, então. Você nunca me chama de Benício. Entra.
Entramos e ele me chamou para ir para o quarto dele, o que era normal – nós dois vivíamos um no quarto do outro.
-Então, - comecei novamente – eu nem sei como dizer isto, Bê! – Eu estava começando a chorar novamente.
- Ei, ei, calma, calma – Ele me abraçou e afagou meu braço – Shh. Calma, só conta o que aconteceu.
Respirei fundo.
- Meu pai foi transferido para outro estado e vamos nos mudar próxima semana.
Ele parou de afagar meu braço.
- Oh – foi tudo que ele disse.
Sai do seu abraço. Eu passei horas pensando como ia falar e achava que já era hora de me declarar. Abri a boca para começar, mas nada saia. Benício estava olhando fixamente par ao chão. Eu comecei a ficar nervosa – minhas mãos estavam molhadas de suor, meu coração palpitava mais rápido. E eu desisti. Disse pro Benício que ia para casa começar a arrumar minhas coisas e fui embora.
Passei a semana evitando o Benício. Como tínhamos ficado de férias esta semana, não precisava o ver no colégio. Eu só ficava trancada dentro do quarto empacotando minhas coisas.
No dia em que íamos embora, não havia mais nada para empacotar e eu estava sem nada para fazer.
- Alice, você já se despediu do Benício? – perguntou minha mãe parada na porta do meu quarto.
-Não – respondi de mal humor.
Ela foi sentar-se ao meu lado no chão.
-Querida, eu sei o quanto você gosta dele – Não consegui não bufar. Ela riu – Sim, eu sei. Está escrito nos seus olhos. Eles brilham quando você fala dele.
Senti meu rosto ficar quente.
- Você já falou para ele o que você sente?
- Eu não sinto nada pelo Benicio – falei, ainda teimosa.
Minha mãe respirou fundo: - Querida...
Ela falou de um modo tão doce, tão acolhedor, tão materno...
- Tá legal, ta legal. Eu gosto dele sim. Mas, e daí? Ele não veio me procurar desde que eu contei para ele. Nem uma ligaçãozinha.
Minha mãe deu uma risadinha e eu fiquei sem entender nada.
- Na verdade, – ela falou - acho que eu e seu pai demos um pouco de culpa nisso. Percebemos o quanto você estava chateada e quando ele veio aqui, pedimos para ele deixar você pensar um pouco. Acho que ele levou meu pedido a sério demais.
- Mãe!
- Querida, calma. Ainda temos tempo. Por que você não vai até a casa dele e não bota fora tudo que está entalado, hein?
Encorajada, levantei-me e corri para a casa do Benício, antes que mudasse de ideia.
"Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados."
Toquei a campainha. Quem atendeu foi a mãe dele. Ela me disse que ele estava no quarto e eu subi. Benício estava no computador.
- Alice? - falou ele quando me viu, com um olhar confuso e de saudades.
- Bê, sei que devo estar falando muito tarde, mas, como dizem, antes tarde do que nunca – eu dei uma risada nervosa e quando vi que ele estava ainda mais confuso, continuei – Benício, desde dia que eu te conheci você foi meu sol, quem iluminava meu dia. Mas não no sentido de amigos. Bê, eu te amo e sempre amei. Eu sei que você só me vê como sua amiga-irmã, mas meu sonho é ser mais que isso e... – lágrimas começaram a cair.
Ele levantou da cadeira e veio até onde eu estava. Ele somente me abraçou.
- Alice, eu não sabia que você se sentia assim, eu... não sei o que dizer...
- Que tal dizer que sente o mesmo? – Arrisquei nervosa.
Ele parecia nervoso.
- A Júlia e eu voltamos – ele atirou as palavras em mim, e doeram mais do que se ele tivesse atirado em mim.
Afastei-me do abraço. Olhei bem para ele. Ele parecia estar com dor por ter me machucado.
- Desculpa – ele sussurrou.
Mais lágrimas caíram dos meus olhos, mas agora de tristeza. Eu não sabia para onde olhar.
- Alice – ele tentou falar e me abraçar, mas eu me afastei dele.
Enxuguei as lágrimas com as mãos e disse: - Tchau, Benício. Foi bom te conhecer.
E fui embora para o novo futuro que me esperava.
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